Autor: Flávio Galhardo
Corporate Security Manager at Souza Cruz
Olá meu amigo(a)! Para aqueles que não tiveram a oportunidade de acompanhar o primeiro Episódio desta temporada, os colocarei rapidamente na mesma página: Tratamos um pouco do RECEPTADOR, o ELO principal do crime de roubo à cargas e como as estruturas criminosas movimentam-se com base em suas demandas.
Começar uma série falando sobre roubo de cargas, dando ênfase à receptação parece um pouco estranho, não? Mas, a proposta foi exatamente essa. Primeiro mudar a sequência lógica das coisas, sair do modelo tradicional, entendem? Segundo, teremos outras temporadas que apresentarão a perfeita conexão dos assuntos e encadeará à plena compreensão
A história do roubo de cargas é curiosa, um pouco solta no tempo e com poucos marcos que colaborariam à um profundo entendimento. Então, no mínimo, diagnosticar as principais “camadas” do problema, contribuirão para construção do nosso raciocínio. Entender a origem é premissa para falarmos em soluções, lembrem-se do primeiro episódio, causa e efeito!
Sendo assim, vamos nos deslocar um pouco mais pelas estradas do tema receptação. Já nos quilômetros iniciais, lhes convido a acessar o “túnel do tempo” do Direito Penal Romano, realizando um pit stop, em meados do século XIX, onde apresento a figura da receptatio.
Diferentemente da Política Criminal contemporânea, a receptatio, prescrevia que seus autores fossem punidos “como os ladrões”, porque se aproveitavam destes para ficarem com o dinheiro ou parte das coisas furtadas. Para nossa surpresa, naquela época, a receptação de coisas obtidas por meio de ações criminosas sujeitava o seu autor às mesmas penas do crime antecedente, geralmente furto ou roubo ou às penas da cumplicidade por um destes crimes.
Eita, época boa! Penso que, os servidores que integravam o Sistema de Justiça Criminal do período (se é que existia), não deviam ficar tão frustrado com as brechas da legislação, como nos dia de hoje.
Entretanto, do mesmo modo que o sistema punitivo da infração penal receptatio sancionava exemplarmente o receptador, em paralelo, outra corrente do direito, retirava o ótimo paladar da doutrina estabelecida, conforme leciona Nelson Hungria:
“Já no começo do século 19, veio consolidando-se a ideia de autonomia de receptação e, por consequência, já não era mais admissível aceitar a fórmula jurídica de cumplicidade para fundamentar a punição da conduta praticada pelo receptador”.
Como no Brasil a celeridade vai de encontro a prioridade, somente com o Código Penal de 1940, foi abandonada a idéia de se considerar cúmplice, para ser autor de crime de receptação, quem compra ou recebe coisa ou produto, ciente ser objeto de crime anterior, optando assim, o atual código, pelo critério de autonomia tipológica.
Diante disso, meu amigo(a) expectador, os convido a pensar e inferirem juntos comigo, se não teria sido este o marco legal da “farra da receptação”?
Então, é disso que trata nosso segundo episódio…
Vamos juntos…
1ª TEMPORADA – A RECEPTAÇÃO ESTIMULA O ROUBO DE CARGAS?
Episódio 2 – O CRIME DE RECEPTAÇÃO E SUA “INSIGNIFICÂNCIA” QUANTO A PUNIÇÃO.
Engraçado, á partir do bate-papo que tivemos acima, me bateu uma grande curiosidade….é sério! Estou pensando aqui, será que se tivéssemos indicadores sendo medidos à época, conseguiríamos traçar um comparativo sobre um possível aumento ou diminuição do roubo de cargas naquela ocasião?
Acredito que, este parâmetro nos auxiliaria muito nos dias atuais. Seria uma ótima base para falarmos em boas propostas de mudança no processo legislativo. Pois, em todos os seminários que abordam o tema, e até mesmo, em conversas informais com Autoridade Policiais, o discurso é uníssono: a receptação não dá nada para quem comete este crime (sic)! E a grande verdade é que todos que vivenciam direta e indiretamente esta realidade estão cobertos de razão.
Cansamos de presenciar o trabalho árduo dos empresários que investem em tecnologia e estruturas de seguranças, bem como, a difícil tarefa de uma Unidade de Polícia Judiciária conduzir investigações tendo como alvo grandes receptadores e ao “final do dia” observarem os personagens que adquire, recebe ou oculta em proveito próprio ou alheio, produtos que sabem serem de origem inidônea, saírem pela porta da frente daquela delegacia, e o pior, sorrindo e já mobilizando estrutura e seus meios para próxima encomenda.
Nesta mesma linha de raciocínio, não podemos deixar de falar sobre a benevolência legal, proveniente da redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996, art. 180, onde nos esclarece a seguinte questão:
A pena para receptação simples vai de reclusão, de 1 a 4 anos, e multa.
Ora, mesmo não sendo um profundo conhecedor do direito penal, não deixaria de compartilhar aqui o art. 44 do Código Penal, o qual trata sobre a substituição das penas e nos ensina que as penas restritivas de direito são autônomas e substituem as privativas de liberdade quando:
· I – Aplicada a pena privativa de liberdade não superior a 4 anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer pena que seja aplicada,se o crime for culposo;
Ainda temos algumas outras variáveis quanto à substituição da pena, cujos pontos, não seria razoável nos aprofundarmos.
Segundo alguns entendimentos e analisando o posicionamento supra, a receptação numa primeira instância, não demonstra ser um crime de grande potencial ofensivo (violência ou grave ameaça), concordam? Isso, por si só, pode provocar ao magistrado um certo tom de comoção…
Ao tratarmos da receptação simples então, tendo sua pena máxima de 4 anos (passível de substituição), encontramos um estímulo magnífico àqueles que perseguem esta infração.
Entendemos, portanto, que nosso arcaico Código Penal complementado pelo cenário econômico atual, fomentam um espaço sociológico apropriado para intensificação da delinquência contra o patrimônio, especialmente, o furto e roubo de cargas.
Nada mal, para quem obtém lucros exponenciais com as aquisições e vendas irregulares, lesa os cofres públicos através da sonegação de impostos, estimula o aumento da violência e retroalimenta toda uma cadeia criminosa.
Será que conseguiríamos voltar ao “túnel do tempo” no século XIX ou encontraremos possíveis alternativas para desestimular estes importantes personagens e seus crimes?
É o que veremos no terceiro episódio desta série, onde trataremos do tema QUANDO A RECEPTAÇÃO COMEÇARÁ DEIXAR DE VALER Á PENA…
* A figura final é a nossa proposta de valor para você. Provocativa, salve-a e tire suas próprias conclusões sob ponto de vista do infrator!
Fonte: www.linkedin.com